sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Educar e entreter: a construção da cidadania e a busca pela audiência na TV


BARBOSA, Sílvio Henrique Vieira. “TV e Cidadania”. São Paulo: All Print Editora, 2010, 104P.

Resenha publicada originalmente na revista Líbero


De um lado, uma visão predominante entre aqueles que vêem a TV como mero meio de exploração econômica, como os apresentadores Ratinho e Raul Gil, que apostam na busca da audiência a qualquer custo para manterem seus salários e status no veículo. Na direção oposta, a Constituição Brasileira que mostra o que se deve esperar da mídia e aponta, no artigo 221 que “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – Preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas [...]”.
O parágrafo acima é parafraseado de “TV e Cidadania”, livro de Sílvio Henrique Vieira Barbosa. Acrescido da pergunta “é possível conciliar essas duas visões de mundo tão diferentes?”, fazem a provocação inicial do que se pode esperar das 104 páginas do texto. Como boa provocação, não pretende uma resposta absoluta. Gera, sim, bons dados, apontamentos e visões sobre o tema.
Assunto já discutido pelo autor em sua tese de doutorado, defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) em 2005, a obra está dividida em três partes e começa com uma exposição sobre “Os direitos fundamentais do Homem”, onde o autor fala sobre a origem, na filosofia grega, da noção de direitos humanos. Na primeira parte, o autor questiona a noção de cidadania e conclui que, “ser cidadão de um Estado Democrático significa ter acesso pleno a todos os direitos individuais e políticos, sociais e econômicos que assegurem uma vida digna ao ser humano em sua relação com a comunidade e a sociedade” (p.27).
“A Educação e a Comunicação” é o título do segundo capítulo e aponta a educação como fundamental para o desenvolvimento da cidadania. A partir da adaptação de um texto do educador colombiano José Bernardo Toro, o autor mostra a importância da educação para a sobrevivência na sociedade moderna e lista como capacidades fundamentais: ler, escrever, calcular, resolver problemas, analisar e interpretar fatos, compreender e atuar em seu entorno social, receber criticamente os meio de comunicação, fazer bom uso da informação acumulada e saber planejar, trabalhar e decidir em grupo. Para melhor exemplificar a educação como meio de sobrevivência na sociedade, Barbosa mostra, na comparação entre um bairro pobre e um rico de SP, “um indício claro de que a falta de acesso à educação encontra-se no mesmo nível rasteiro da ausência dos demais direitos do cidadão, como saúde, segurança e trabalho. [...] é pela educação que o indivíduo se torna consciente e, também, detentor dos direitos de cidadão” (p.40). A habilidade de “receber criticamente os meios de comunicação” ganha destaque na obra, fecha a primeira parte do livro e prepara terreno para a Parte II, que se propõe a discutir mais diretamente a TV enquanto rede midiática e suas funções na sociedade.
Ponto forte do livro, no capítulo três, o autor mostra como as tevês, com raras exceções, representadas pelas tevês educativas financeiramente dependentes do governo, são diretamente dependentes do mercado. É o critério do índice de audiência, que define o valor da inserção comercial, que irá garantir, ou não, se um programa terá sucesso de público ou se, em caso contrário, deverá passar por reformulações ou, mesmo, ser tirado do ar (p.53).
Neste capítulo, o autor mostra como “a TV se tornou refém da imagem, independentemente de sua importância no contexto social ou político” (p.56). Segundo ele, a escolha sobre qual assunto abordar depende mais dos interesses políticos e econômicos do que dos interesses públicos (p.57). A preocupação com a degradação do jornalismo é explicitada na afirmação, “na guerra pela informação e pelos pontos no Ibope, a mídia abre mão dos preceitos básicos do bom jornalismo: ouvir todas as partes envolvidas, procurar conferir as informações antes de divulgá-las, e não condenar previamente simples suspeitos ou acusados” (p.63).
Após expor o alto índice de violência na televisão, Barbosa procura mostrar exemplos de técnicas eficazes de como transmitir a “educação para a cidadania na televisão” e o Edutainment (Entertainment Education), explicado como a possibilidade de se oferecer educação de uma forma lúdica e atrativa e o Merchandising Social (inserção de temáticas sociais ao longo da programação) são as opções descritas.
Para finalizar a Parte II, o capítulo quatro, intitulado “Cidadania na TV: Uma pesquisa junto aos setores ligados à educação/cidadania” versa sobre o conteúdo de alguns programas de televisão e as expectativas e opiniões de entidades sobre o tema.
A terceira parte do livro se encarrega da conclusão. Aqui, o autor pontua algumas dificuldades do uso da mídia para a educação em uma sociedade onde, “a visão ainda dominante é que a escola procura formar cidadãos e a mídia, apenas consumidores” (p.93), e afirma caber “à escola, ao se esforçar para formar cidadãos, formar também telespectadores críticos, que não se deixem manipular como pessoas ou como consumidores” (Ibidem).
Do lado positivo, o Merchandising Social, citado como possível solução, “trata-se de uma prática bem sucedida e um exemplo espetacular de como a ficção, ao ser misturada com reais questões sociais, pode colaborar intensamente na educação para a cidadania” (p.94).
Para que o público possa ser educado e receba criticamente o conteúdo da televisão, o autor finaliza o texto defendendo a “inclusão do estudo da mídia no currículo escolar” e a “regulamentação da Constituição no que se refere ao dever das mídias eletrônicas de investirem em programas voltados para a formação da cidadania” (p.98).
Com formação strictu sensu em Direito e Comunicação, Barbosa une com maestria nesta obra questões fundamentais sobre as obrigações legais dos meios de radiodifusão enquanto concessões públicas e o que os telespectadores deveriam receber dessa concessão. Como provocação lançada no início do livro sobre a possibilidade de unir os interesses comerciais à noção de cidadania, o autor lança luz ao exemplificar casos de sucesso na tevê. Porém, mostra que a maioria dos casos positivos está nas tevês por assinatura, restritas a apenas 8,4% dos lares brasileiros. Há muita luta pela frente para se atingir o ideal de “TV e Cidadania”, mas a leitura dessa obra é um caminho esclarecedor para se entender o estado da questão e traçar planos plausíveis para esse casamento possível.